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HÁ MUTO A COMEMORAR – Parte I

  • Foto do escritor: Tadeu Cruz
    Tadeu Cruz
  • 29 de jun. de 2022
  • 2 min de leitura

Lições pós-Covid-19


Hoje, 24/03/2022, faz um ano que fui internado às pressas, na Santa Casa de Cuiabá, com o pulmão 70% comprometido pela Covid-19.

Talvez um dia eu esqueça. Talvez um dia as memorias se esfumacem de tal forma que eu não consiga lembrar mais de nada. Mas por enquanto, elas estão bem vivas. Lembro-me de cada hora, de cada detalhe e ainda dos rostos dos/das profissionais que me atenderam.

Na verdade, não há muito mais a dizer e escrever além do que já escrevi no livro CRÔNICAS DA UTI, mas não poderia deixar passar a data em brancas nuvens. Afinal já são mais de 650 mil mortos no Brasil por esta desgraça, e cada sobrevivente que, como eu, esteve para entrar no barco de Caronte deve comemorar não ter concluído a travessia.

Se ainda estivesse na ativa, cruzando os rios Estige e Aqueronte, carregando em sua nau as almas dos recém falecidos, por certo, o barqueiro Caronte de Hades, da mitologia grega, teria muito trabalho a realizar, tendo que atravessar esses cursos d'água mais de 6 milhões de vezes, levando os atingidos em todo o mundo pela nova peste.

Engraçado, se é que posso considerar cômico o que quase foi trágico, jamais passou pela minha cabeça que eu ia morrer. É verdade.

Sempre passou pela minha cabeça coisas como:

“quando voltar para casa vou fazer um bolo de cenoura!”

“quando voltar para casa vou fazer uma salada de frutas como aquelas que minha vó fazia quando eu era pequeno.”

Pensava muito nos filhos e especialmente em Maria Clara, que com 11 anos não poderia ser abandonada por mim. Os outros filhos já são crescidos e bem encaminhas na vida. Mas Maria Clara não.

Deveria ser proibido um pai morrer deixando filho pequenos, ainda não encaminhados na vida, sem uma profissão, desemparados. Deveria haver uma lei contra isso!

Talvez por isso, principalmente por isso, até mesmo inconsciente, eu tenha me recusado a morrer.

As enfermeiras diziam quando, depois de sair da UTI, fui para uma enfermaria esperar a alta do hospital: “seu Tadeu, todo mundo quer lhe conhecer, Um senhor de 70 anos ter escapado da Covid-19!”

Pois é, com tantos indo embora, partindo mesmo não querendo, eu ter voltado da UTI e estando pronto para ir embora do hospital era mesmo uma celebridade...

Mas, eu sabia que o Oráculo grego não poderia ter mentido. No fundo sempre acreditei e acreditarei que ele disse a verdade. Então, com 70 anos, ainda não era hora de partir

Então, como maravilhosamente cantava La Negra:

“Gracias a la vida que me ha dado tanto

Me dio dos luceros que cuando los abro

Perfecto distingo lo negro del blanco

Y en el alto cielo su fondo estrellado

¡Y en las multitudes las mujeres que amo!»


Cuiabá, 24/03/2021 – 24/03/2022


Nota La Negra era o apelido de Mercedes Sosa, que faleceu em 2009.

P.S. O último verso é uma licença poética da minha parte.















 
 
 

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