Será que tudo se resolve com tecnologia?
- Tadeu Cruz
- 17 de jan. de 2019
- 4 min de leitura
Você gosta de comida feita por computador?

Uma vez, numa aula de gestão de processos, no curso de engenharia da produção, na Mackenzie, onde dei aula durante muito tempo, eu disse para a classe:
- Eu não gosto de frango. Não é minha comida preferida.
Aí, uma aluna perguntou
- Mas por que professor?
- Porque estes frangos de hoje são feitos por computador. Não têm gosto de nada, só de anabolizantes.
Desnecessário dizer que foi uma gargalhada geral. Alguém ainda emendou: ah, vá professor, é mentira que os frangos são feitos por computador...
Eu insisti: é verdade, sim, são feitos por computador.
Passaram-se dez anos e eis que surge a seguinte notícia: Um frigorífico nos EUA produz carne de frango sem matar uma única ave.
Reportagem dos jornalistas Regan Morris e James Cook, da BBC News de São Francisco, nos traz alguma esperança de podermos alimentar mais de nove bilhões de habitantes do Planeta Terra no ano de 2050, sem precisarmos matar bilhões de aves e outros animais!
De acordo com diversos estudos, incluindo os da ONU, a demanda por carne está crescendo em todo o mundo e por conta disto há uma crise iminente diante do crescente apetite por proteína animal no planeta. Será que um frango que cisca em uma fazenda em São Francisco pode ser a solução?
Em 1931, Winston Churchill previu que um dia a raça humana "escaparia do absurdo de criar uma galinha inteira para comer o peito ou a asa, produzindo essas partes separadamente".
Oitenta e sete anos depois, esse dia chegou na Just, empresa de alimentos em São Francisco, nos EUA, onde os jornalistas provaram nuggets de frango fabricados a partir das células de uma pena de galinha. Ou seja: frango feito, literalmente, por computador!
O frango que serviu de doador das células ainda estava vivo, supostamente ciscando em uma fazenda não muito longe do laboratório.
Essa carne não deve ser confundida com os hambúrgueres vegetarianos à base de soja, verduras e legumes e outros produtos substitutos de carne que estão ganhando popularidade nos supermercados veganos. Não, se trata de carne real fabricada a partir de células animais. Elas são chamadas de diversas formas: carne sintética, in vitro, cultivada em laboratório ou até mesmo "limpa".
São necessários cerca de dois dias para produzir um nugget de frango em um pequeno biorreator, usando uma proteína para estimular as células a se multiplicarem, algum tipo de suporte para dar estrutura ao produto e um meio de cultura - ou desenvolvimento - para alimentar a carne conforme ela vá se desenvolvendo.
O resultado ainda não está disponível comercialmente em nenhum lugar do planeta, mas, o presidente-executivo da Just, Josh Tetrick, diz que estará no cardápio de alguns restaurantes até o fim deste ano. "Nós fazemos coisas como ovos, sorvete ou manteiga de plantas e fazemos carne apenas a partir de carne. Você simplesmente não precisa matar o animal", explica Tetrick.
Quem provou o produto assegura que o gosto, a textura, os resultados são impressionantes. Em alguns aspectos até melhor do que o nugget original.
Com isto visa-se impedir o abate de animais e proteger o meio ambiente da degradação da pecuária intensiva industrial e resolver (será?) o problema de como alimentar a crescente população sem destruir o planeta. Espera-se que por não ser geneticamente modificada esta nova “carne” não irá requerer tratamento com anabolizantes e antibióticos para crescer.
Segundo a ONU, a criação de animais para a alimentação humana é uma das principais causas do aquecimento global e da poluição do ar e da água. Abatemos 70 bilhões de animais por ano para alimentar sete bilhões de pessoas, destaca Uma Valeti, cardiologista que fundou a Memphis Meats, empresa de carnes fabricadas a partir de células, na Califórnia.
Segundo Valeti, a demanda global por carne está dobrando, à medida que mais pessoas saem da pobreza. Nesse ritmo, acrescenta, a humanidade não conseguirá criar gado e frango suficientes para saciar o apetite de nove bilhões de pessoas até 2050. "Assim, poderemos literalmente cultivar carne vermelha, aves ou frutos do mar diretamente dessas células animais", diz Valeti.
A humanidade desenvolveu ao longo da sua história a crença de que tudo pode e de que tudo pode resolver com a criação e o desenvolvimento de tecnologias, mas nem sempre estas mesmas tecnologias puderam ser usadas com segurança ou não criaram mais problemas do que aqueles que supostamente iriam resolver.
Esta notícia nos mostra que a ficção cientifica daqui para a frente, e cada vez mais, não será tão ficção como nossas séries preferidas de TV quiseram ou querem nos fazer crer.
Estamos no limiar de uma nova Era? Da criação de dispositivos que permitirão à humanidade replicadores de alimentos, como aqueles que vemos em todas as séries Star Trek! Muito em breve será preciso apenas ordenar a um replicador uma comida, uma bebida, (um Raktajino, quem sabe?), e seremos servidos na hora.
Mas, sempre haverá um mas... a humanidade não está no mesmo grau de desenvolvimento tecnológico em todos os cantos da terra, e a despeito do que queiram nos fazer crer nossos especialistas, arautos das novas tecnologias, não haverá a tão sonhada disseminação e equalização tecnológica tão cedo por uma série de motivos: econômicos, sociais, políticos, etc. Além do que haverá aqueles que não se interessarão pela comida sintética, por isso, eu continuo insistindo, ou crescemos todos juntos ou o futuro será mais sombrio do que alguns que já nos mostraram muitos filmes de ficção.
Não sou um ludita, não fui e nem o serei, mas nestes 44 anos de convivência com TI sempre fui bastante crítico, não cético, quanto à introdução de novas tecnologias em ambientes despreparados para absorvê-las e utilizá-las. O Brasil está longe de ser um lugar igualitariamente preparado para tantas e tão fantásticas tecnologias, basta ver o resultado do último ranking de produtividade mundial 2018, no qual caímos ano a ano, e estamos na lanterna. Estudo da FGV mostra que país está na 50ª posição em lista com 68 economias. E produtividade não é algo que se alcance somente com tecnologias, mas isto é um tema para o próximo artigo.
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